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Em Defesa de uma Educação de Qualidade para nossos/as filhos/as.

Por uma educação de qualidade para todas/os!!!

07/07/2015 às 20h25

MANIFESTO:
Em Defesa de uma Educação de Qualidade para nossos/as filhos/as.


Andréa Pacheco de Mesquita1


Bem, queremos esclarecer algumas questões que estão sendo alardeadas em nossa sociedade causando um pânico entre os pais/mães, diretores de escolas, professores/as e a sociedade em geral. Em primeiro lugar essa ideia de impor uma “ideologia de gênero” não nos representa. Não queremos definir um modelo, a escola não tem este papel. A função da escola é propiciar uma formação crítica inclusiva na qual todas as pessoas sintam aquele ambiente como seu lugar de pertencimento. A formação educacional deve chegar a todas as classes (ricos e pobres), a todos os gêneros (mulheres e homens), a todas as raças e etnias (brancos, negros e índios), a todos os locais (campo e cidade), a todas as gerações (crianças, jovens, adultos e idosos), uma vez que está assegurada como direito na nossa Constituição Federal. Assim, o que estamos falando é que a escola deve enfrentar as dificuldades que impedem a socialização do conhecimento e a permanência do/a aluno/a nela.


Antes de entrar na “falsa polêmica” da discussão de gênero na escola que se transformou em palavrão, em destruição da “família brasileira” precisamos falar o que são relações de gênero. Bem, Gênero são os papéis sociais historicamente construídos sobre o ser homem e ser mulher. Estas construções se pautam em hierarquias que em sua grande trajetória privilegiam tudo que é considerando “masculino”, deixando as mulheres sempre a margem e em situações de exploração, opressão e submissão. Então quando falamos em relações de gênero estamos falando em assegurar que nossos filhos e filhas tenham oportunidades iguais na sociedade. Não queremos destruir a família brasileira queremos sim que todos e todas tenham direito e acesso a uma educação de qualidade!


A pesquisa “Ações Discriminatórias no Ambiente Escolar”, realizada pelo Ministério da Educação – MEC no ano de 2009 demonstrou o quanto a escola ainda é um ambiente excludente. Esta exclusão se mostra no índice de preconceito por grupos sociais. Neste Ranking as questões de gênero ocupam o primeiro lugar, com 38,2% no qual se expressam da seguinte forma: “as mulheres são mais habilidosas para cuidar da casa”, “que existem trabalhos que devem ser realizados apenas por homens”, e “que a mulher é melhor do que o homem na cozinha”. Estas ideias reproduzem um grande nível de preconceito reafirmando a velha tese de que o lugar de mulher é na cozinha! O que reforça a separação do público (enquanto espaço masculino) e privado (enquanto espaço feminino). Cabendo as mulheres os empregos ligados ao cuidado e aos homens todos os outros lugares de poder na sociedade.


Desta forma, eu pergunto: é esse o futuro que queremos para nossas filhas? Que elas se limitem a ser mães, dona de casa e/ou trabalhar em empregos menos valorizados? Será que nossas meninas não têm capacidade de pensar, de ser uma cientista, uma engenheira, uma astronauta e tantos outros espaços que historicamente foram habitados apenas pelo sexo masculino? Ser mãe, dona de casa, esposa não pode tirar o direito de nossas filhas de terem uma profissão, um bom emprego, um prestígio social. Não são caminhos opostos, pelo contrario realização pessoal e profissional, são caminhos que se complementam! Será que concordamos que nossas filhas são naturalmente menos inteligente do que nossos filhos homens? Será que concordamos que nossas filhas tenham menos direitos na sociedade por terem nascido do sexo feminino? Que elas sejam destinadas a cozinha, a casa e sejam naturalmente excluídas das profissões de prestigio e poder?


Outro ponto bastante relevante na pesquisa é o índice de preconceito quanto à geração que vem em segundo lugar com 37,9%. O ideal seria que todos e todas frequentassem a escola no período regular de seu desenvolvimento, contudo, devido a diversos fatores muitas crianças e adolescente não tem acesso à escola. Seja pela distância, seja por questões financeiras, seja por que tem que trabalhar desde cedo, seja por que alguns pais e mães precisem de suas filhas dentro de casa para fazer o serviço doméstico. Você acha justo com estas pessoas que não puderam frequentar a escola no período regular sejam punidas? Deixa-las de fora do processo de conhecimento? Negar a oportunidade de elas reescreverem sua história buscando resgatar o tempo perdido, se qualificar e ter uma profissão?


Em terceiro lugar vem as discriminações por necessidades especiais (deficiência) que é de 32,4%. A ideia de que estas crianças, adolescentes e adultos por apresentarem algum tipo de deficiência são inferiores e precisam de “escolas especiais” é um erro que se fundamenta num padrão de normalidade. Mas os seres humanos não são feitos em uma única fôrma, não existe um modelo, todos nós apresentamos um leque de necessidades diferenciadas e a escola deve absorver e dá respostas a estas necessidades. Não podemos excluir estas pessoas do mundo social pelo fato dela ter uma deficiência física ou mental, por ela ser cega, surda ou algo parecido. Elas não são menos merecedoras por apresentarem algum tipo de necessidade especial.


A orientação sexual ocupa o quarto lugar das ações discriminatórias com 26,1%. Falar de orientação sexual ainda é um tabu apesar de que a nossa carta magna afirma em seu Art. 5° que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Em primeiro lugar, é necessário falar que a orientação sexual, é pessoal e não cabe a ninguém intervir, questionar ou punir alguém por suas escolhas, pelos seus gostos! Cada um tem o direito as suas próprias escolhas. Não cabe a nenhum de nós decidirmos se alguém gosta de manga ou abacaxi, da mesma forma que não nos cabe definir que todas as pessoas gostem e sintam desejo da mesma forma. Não podemos definir que todos devam gostar apenas de abacaxi da mesma forma que não podemos definir que todos sejam heterossexuais. O desejo humano é complexo, gostamos de manga, de abacaxi, de laranja, de banana não por imposição, mas porque nos identificamos com o gosto e com o prazer de comer cada uma destas frutas. Assim é a sociedade que tem em sua essência a diversidade. E o que plano de educação fala não é de imposição, é de respeito, é de liberdade, é de igualdade de oportunidades para todos e todas independente da sua orientação sexual. O amor fala todas as línguas e não cabe a escola e nem a nós sociedade silenciar, excluir e punir estas pessoas que simplesmente amam e desejam pessoas do mesmo sexo!


A pesquisa ainda demonstra que há 25,1% de preconceito contra a questão socioeconômica. Ou seja, a velha ideia de que o pobre tem que trabalhar e não estudar, que o pobre é violento. Estas afirmações servem para reproduzir a perpetuação da classe dominante no poder e assegurar que a riqueza produzida coletivamente por todos nós, seja apropriada por uma minoria que pertence a uma elite rica, branca e heterossexual.


Outro número alarmante de discriminação é em relação a questão étnico-racial que se expressa em 22,9%. Temos uma sociedade bastante diversificada em sua raça e etnia, contudo ainda temos um preconceito latente em relação a cor da pele. Alagoas é o estado onde mais se mata adolescentes negros e é em essência um estado negro, terra de Zumbi dos Palmares um dos maiores líderes da resistência negra. Em tantas contradições não é possível falar em igualdade racial. Neste sentido, se faz urgente que o nosso plano de educação paute estas questões não podemos fechar os olhos e condenar nossas crianças, adolescentes e adultos a continuar no gueto, porque o gueto é uma expressão moderna das senzalas o qual define o lugar, ou melhor, dizendo, o não lugar dos negros na sociedade. O preconceito afasta as pessoas, é uma forma de excluir, de negar direitos. E a função da escola é formar cidadãos, sejam eles de todas as cores, raças, etnias, gêneros e classes sociais!


Assim, afirmamos e reafirmamos que essa história de “Ideologia de Gênero” nada mais é do que uma forma que a ala conservadora da sociedade se utilizou para manter a ordem vigente da nossa sociedade capitalista e assegurar que o mercado continue sendo o regulador das relações sociais. O rico que tem poder aquisitivo paga por uma educação de qualidade fazendo com que seus filhos se qualifiquem e continuem na condição de dominação, de rico, de poderoso enquanto que a maioria da população filhos/as da classe trabalhadora se perpetua enquanto dominados (com menor grau de qualificação, com uma qualificação aligeirada e de menor qualidade). Ou seja, o que está por trás das nossas discussões são as hierarquias de gênero, de raça, de classe social e orientação sexual. Por fim, é importante frisar que não queremos ensinar os nossos filhos a ser gay como foi amplamente divulgado pelos diversos espaços da mídia. Apenas queremos que nossos filhos, o meu, o seu, os que moram na favela, nas grotas, os que são negros, índios, ciganos, pobres, ricos, meninos, meninas tenham o direito a uma educação de qualidade que tenha como foco uma cultura de paz pautada no respeito a diversidade, no amor ao próximo e na construção de uma sociedade verdadeiramente democrática, igualitária, justa e plural!

 

Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar. (Bertolt Brecht)

 

1 Assistente Social, Mestra em Educação e Doutora em Mulher, Gênero e Feminismo pela Universidade Federal da Bahia. Professora do Curso de Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas.

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