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“Neste 8 de março não há tempo para compartilhar palavras soltas ao vento”

Confira artigo especial sobre o 8 de março, escrito pela Assistente Social Elvira Barretto, especial para a Página do Cress Alagoas.

08/03/2020 às 09h38


Por Elvira Barretto, Assistente Social


Neste 8 de março, no Brasil, não há tempo para compartilhar palavras soltas ao vento.  Urgem palavras que ofereçam uma tecitura discursiva crítica, provocativa, instigante e realista, a partir do lugar de fala de um coletivo que traz consigo a marca de ser mulher, Assistente Social, docente, militante feminista, ativista antirracista, indignada, insubordinada, que vive do seu trabalho e tem coragem de resistir.
 

Resistência que vem de longas datas. No entrelaçar histórico de lutas e conquistas de direitos, o Serviço Social Brasileiro é vanguarda, haja vista, entre outros aspectos, seu projeto ético-político expresso no Código de Ética profissional, cujos princípios gerais englobam liberdade, democracia, defesa intransigente dos direitos humanos, equidade e justiça social, recusa do arbítrio, do autoritarismo e de qualquer forma de preconceito e discriminação, além do respeito e valorização da diversidade sexual, cultural e religiosa, e o compromisso com a construção de nova ordem societária, sem dominação, exploração de classe, etnia e gênero.
 

Posicionamento esse, assumido nos anos 90 do século passado, em uma conjuntura aquecida no seio do clamor pelo fortalecimento da democracia, a ter como referências, por exemplo, uma Luiza Erundina, Assistente Social eleita para a prefeitura de São Paulo pelo Partido dos Trabalhadores (PT); a contar, também, em Maceió, com forças de esquerda: o Partido Socialista Brasileiro (PSB), com Ronaldo Lessa prefeito, e Heloísa Helena do PT como vice-prefeita; ocasião em que muitas Assistentes Sociais participaram da organização do Conselho da Condição Feminina de Maceió e estiveram na linha de frente dessa gestão municipal que contava com o apoio do Conselho Regional de Serviço Social (CRESS Alagoas) e do Sindicato dos Assistentes Sociais do Estado de Alagoas (SASEAL).
 

As celebrações dos 8 de março, a partir da constituição de 1988 até os primeiros 16 anos do século atual, foram regidas pela esperança e pelo espírito crítico-democrático sob a égide de um movimento feminista nacional e estadual forte, propositivo e atuante na defesa dos direitos humanos, provido de autoridade e competência discursiva a ponto de ocupar centralidade nos metadiscursos ultraconservadores que despontaram desde aí, mais explicitamente, a partir do Programa Nacional de Direitos Humanos (PnDH-3/2010) que contemplava a realidade do aborto inseguro no país e reconhecia a necessidade de revisão da lei penal para a respectiva tratativa; a urgência de melhoria nas condições de assistência aos casos de aborto  já previstos em lei,  bem como a preservação da autonomia das mulheres garantindo seus direitos sexuais e reprodutivos.
 

Nesse momento, o Poder Legislativo assumiu a ofensiva religiosa relativa à “defesa da vida” e, também, a outros temas da chamada “agenda moral”, como a oposição aos direitos da população LGBT+. A pressão política conservadora se acirrou ao ponto de conseguir com que o Governo Federal retrocedesse ao publicar o decreto 7.777, de 12 de maio de 2010, reformulando pontos do PnDH-3/2010,  com foco principal na interrupção voluntária da gravidez, cuja redação passa a constar de: "considerar o aborto como tema de saúde pública, com a garantia do acesso aos serviços de saúde". Suprime-se a descriminalização do aborto e a autonomia reprodutiva das mulheres.
 

Em repúdio ao decreto, o Movimento Nacional de Direitos Humanos, juntamente com a frente nacional feminista, lança Nota Pública[1], em 14 de maio de 2010, constante na Plataforma Dhesca Brasil[2]. O teor do texto é de denúncia e de crítica aclaradora acerca do contexto social, cultural e político dominado por grupos sociais regidos por interesses econômicos, disfarçados de protetores da moral e dos bons costumes da população brasileira.
 

Faz-se uma contundente crítica à rendição do governo a esses grupos, ao afirmar que o “Governo cede aos setores conservadores e recua na garantia dos direitos humanos no país” e aceita a alteração e até revogação de importantes ações previstas no Programa Nacional de Direitos Humanos (PnDH-3/2010).
 

O texto segue questionando o interesse pela manutenção dos privilégios desses grupos em um país onde “[…] as mulheres são criminalizadas por recorrerem à prática de aborto e morrerem por falta de atendimento médico”, e acrescenta: “[…] esses setores se alimentam da pobreza e da desinformação. Mantêm seus privilégios históricos, com base na desigualdade social, que ainda é a marca de nossa sociedade”.
 

A ofensiva ultraconservadora se alastrou frente ao exitoso ativismo feminista fundamentado por seu discurso forte e competente no repudio ao capitalismo patriarcal, na defesa da igualdade de gênero, no respeito e valorização da diversidade sexual, cultural, étnico-racial e religiosa tendo como portas vozes mulheres de movimentos sociais populares, sindicais, acadêmicos, entre outros, com capilaridade em todos os setores da vida em distintas sociedades do planeta, particularmente do Brasil.
 

Em contrapartida, mundialmente, inicia-se uma apropriação do mercado às causas feministas e a proliferação de uma onda ultraconservadora aterrorizante.
 

Nesse contexto de profundos embates, é possível mensurar a força do movimento feminista crítico-radical que denuncia, em âmbito nacional e internacional, a ordem capitalista-patriarcal, racista, heteronormativa, visto a análise da deplorável contundência e disseminação de ódio dos contradiscursos que emergem já na primeira década do século XXI.
 

O Brasil, neste ano de 2020, pode ser considerado exemplo icônico de uma sociedade do espetáculo cuja estratégia política do poder hegemônico é disseminar narrativas que são, no mínimo, vulgares, militaristas, antidemocráticas.
 

Temos clareza que o aumento da violência contra as mulheres nas suas várias expressões, a feminização da pobreza, a pulsão neofascista de ameaça e de extermínio de mulheres detentoras de poder político, em especial, mulheres negras, no Brasil e ao redor do mundo, estão atrelados aos processos de acumulação do atual estágio do capitalismo patriarcal-androcêntrico.
 

Por isso, não há tempo para compartilhar palavras soltas ao vento. Agora é tempo de LUTA, de RESISTÊNCIA!
 

Marielle, PRESENTE!

[1] http://feminismo.org.br/mndh-nao-aceita-as-alteracoes-ao-pndh-3/

[2] DhESCA Brasil – Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais/apoio UNESCO. http://www.plataformadh.org.br/

 

 

 

 
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